"Pastores pentecostais se recusaram a fechar as portas das igrejas, apesar do risco de contaminação", diz artigo de Bruno Meyerfeld publicado no jornal francês
Por Bruno Meyerfeld, no Le Monde. Tradução: Sylvie Giraud - Estamos em 14 de março. A onda do coronavírus está começando a assolar o Brasil. Nas grandes cidades, as autoridades locais decretam medidas de contenção e a proibição de grandes reuniões. Mas Silas Malafaia, chefe midiático da Assembléia de Deus Vitória em Cristo, uma das maiores igrejas evangélicas do país, não tem a intenção de desistir de seu culto de sábado. Muito pelo contrário.
De seu templo no bairro da Penha, no norte popular do Rio, o pastor faz seu discurso frente a centenas de fiéis, colados uns aos outros. “Nossa igreja manterá suas portas abertas! A igreja deve permanecer o último bastião da esperança do povo!”, clama Malafaia, pedindo à assistência que “não caia em uma neurose louca”: “Acreditamos que Deus está no controle de tudo. Nós acreditamos no poder da oração. É nossa arma!”
Como Malafaia, muitos pastores brasileiros se destacaram nas últimas semanas pelo seu “corona cepticismo”. Em 15 de março, foi a vez de Edir Macedo, poderoso “patrão” da grande Igreja universal do reino de Deus (1,8 milhão de seguidores). Em um vídeo postado nas redes sociais, ele pede aos membros de seu rebanho que “não se preocupem com o coronavírus”: a pandemia é uma “tática”, orquestrada por uma aliança surpreendente entre Satanás, a mídia e os “interesses econômicos”, para semear “terror”.
“A fé é um grande aliado neste grave momento para a nação: não podemos cerceá-la”, justificaram, de seu lado, em comunicado de imprensa, os eleitos devotos, membros do lobby parlamentar evangélico (195 deputados, ou 38% dos assentos em Câmara dos Deputados), pedindo às autoridades que mantenham os templos abertos e evitem confinamentos excessivamente rígidos. “Você precisa proteger os grupos de risco, mas não seja hipócrita: muitas pessoas precisam trabalhar para sobreviver, principalmente os trabalhadores por conta própria. O confinamento completo é impossível”, confidencia por telefone Marco Feliciano, pastor conservador e deputado de São Paulo.
“Lógica empreendedora”
Em um país onde um terço da população se declara atualmente evangélico (frente aos 9% de 1991), os cultos “anti coronavírus” dos pastores chegam a preocupar as autoridades locais, essas mesmas que estão na linha de frente na luta contra a pandemia. Até agora, elas permaneceram inflexíveis: nas grandes cidades, “megaigrejas” que podem acomodar até 10.000 fiéis tiveram de fechar suas portas. No Rio, Silas Malafaia, tendo visto seu pedido judicial recusado, teve de renunciar a contragosto a seus cultos públicos.
No entanto, nem todos os pastores têm a mesma atitude: em todo o país, muitas igrejas fecharam imediatamente quando a pandemia foi anunciada, optando por transmitir os cultos pela Internet. Os líderes evangélicos que negam a gravidade da crise “são em sua maioria os pentecostais muito conservadores de tendência fundamentalista”, insiste Ricardo Mariano, professor da Universidade de São Paulo (USP) e sociólogo das religiões. “Criacionistas, anti-intelectuais, eles são adeptos das teorias da conspiração e têm uma visão “mágica” do mundo, focada na convicção de que o poder divino pode intervir para resolver todos os infortúnios e proteger os fiéis de doenças ou epidemias virais.”
Há também razões mais prosaicas. “Os pastores são, antes de tudo, líderes empresariais, movidos por uma lógica empreendedora”, lembra Flavio Sofiati, especialista do mundo cristão na Universidade de Goiás. Alguns, como Edir Macedo, estão entre os homens mais ricos do Brasil, dirigindo um império empresarial, que vai desde gravadoras até a grande imprensa. “Se não há mais culto, os fiéis não vêm mais à igreja, não pagam sua contribuição e estas terão menos dinheiro”, conclui o pesquisador.
Em seu combate, esses “barões da fé” contam com um forte aliado: Jair Bolsonaro. Católico de nascimento, mas “batizado” em 2016 por um pastor nas águas do Jordão e durante sua eleição o presidente de extrema direita recebeu o apoio total dos grandes líderes evangélicos, adotando desde então seu discurso ultraconservador. Descrevendo a pandemia como uma “gripe”, Bolsonaro publicou em 25 de março um decreto incluindo atividades religiosas (e a loteria) na lista de setores essenciais que não podem ser afetados por medidas de contenção. “O pastor saberá como conduzir seu culto (...). Se a igreja estiver cheia, ele fará algo, tomará uma decisão ...”, justificou-se o presidente, não sem dificuldade.
O decreto não criou raiz: dois dias depois, a justiça suspendeu a medida, que segundo ela poderia “estimular a aglomeração” de fiéis em locais de culto. O governo anunciou que irá recorrer.
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