Decisão do maior banco da França de impor restrições de crédito à soja e pecuária em áreas da Amazônia soa alarme para a política ambiental do governo Bolsonaro.
O banco francês BNP Paribas anunciou restrições ao fornecimento de crédito para empresas que comprem soja ou carnes advindas de regiões desmatadas na Amazônia e no Cerrado brasileiro a partir de 2008.
"A produção de carne bovina e soja no Brasil acelera o desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Seja legal ou ilegal, ela põe em risco a integridade ecológica e o futuro desses dois biomas", disse o banco em comunicado.
A instituição alertou que somente produtores que apresentarem estratégia para atingir o desmatamento zero até 2025 terão crédito liberado.
Além de exercer pressão sobre os produtores, a medida do BNP Paribas emite sinal para as principais negociadoras de commodities no Brasil, como a Cargill, Louis Dreyfus e Bunge.
O ano de 2008 não foi escolhido a esmo: esta é a data da aplicação do novo Código Florestal, que anistiou produtores brasileiros, sob a condição de que não desmatariam no futuro.
"Agora temos a expectativa de novas anistias na região", disse a analista de políticas públicas e gestão governamental, Thaís Brianezi."Assim a fronteira segue avançando".
Segundo ela, a medida "no mínimo sinaliza que existe uma cobrança por boas práticas [...], por cumprir o mínimo, por respeitar a legislação e o direito de todos ao meio ambiente, ao trabalho justo e decente."
"É uma sinalização importante, principalmente se for seguida por outras organizações financeiras", acredita Brianezi.
No tocante à Amazônia, a medida do BNP Paribas não deve afetar uma "produção grande em termos de volume, até por se tratar de uma área na qual a produção é historicamente ineficiente".
"Mas temos o desafio da rastreabilidade: como você pode garantir que o produto é advindo dessas áreas?", questionou Brianezi.
Legislações anteriores contavam com a base de dados do Ibama para identificar áreas embargadas, "mas entidades estão dizendo que está cada vez mais difícil confiar nos dados do governo federal".
Nesse sentido, é necessário avaliar se o banco criará seus próprios critérios para definir quais áreas foram desmatadas a partir de 2008, ou buscará dados produzidos "no poder de comando e controle brasileiro".
Interesses franceses?
A medida gerou ceticismo por ter sido capitaneada justamente por um banco francês. A França, que possui território ultramarino na Amazônia, é um dos países mais vocais em suas críticas à política ambiental do governo Jair Bolsonaro.
Além disso, Paris é acusada de utilizar a agenda ambiental para se proteger da forte concorrência do agronegócio brasileiro. O país cita o desmatamento na Amazônia como principal motivo para não ratificar acordo comercial com o Mercosul, que garantira maior abertura do mercado europeu para commodities brasileiras.
"Sim, existe viva uma guerra comercial e uma guerra de subsídios", confirmou Brianezi. "Não dá pra negar que existe esse lado."
No entanto, "o fato disso existir não pode ser usado aqui como desculpa para não melhorar [as práticas ambientais]", argumentou a especialista.
Segundo ela, mesmo nas condições de uma guerra comercial, é necessário se perguntar "é mentira o que eles acusam? Não é. Realmente nós temos [...] uma exploração ambientalmente degradante."
"Então vamos provar que [...] a gente tem comprometimento e esvaziar esse argumento para poder mostrar que essa preocupação não só é interesseira, como também infundada. O problema é que agora ela não é infundada", explicou Brianezi.
De fato, durante os dois primeiros anos do governo Bolsonaro, houve alta de cerca de 82% no no desmatamento na Amazônia em relação aos três anos anteriores.
"Como o Brasil está num momento de desmonte dos órgãos ambientais, de um discurso que opõe produção e meio ambiente, ficamos refém desse argumento interesseiro", ponderou Brianezi.
Tendência
A revogação de decretos de proteção ambiental pelo governo federal deixa vácuos de regulação que podem ser cada vez mais supridos por organizações privadas, como o BNP Paribas.
"Poderá haver um aumento da pressão internacional, de sanções e embargos com a justificativa ambiental, principalmente, porque essa agenda ressoa bastante internacionalmente", acredita a analista.
Além de não necessariamente terem a capacidade de garantir a eficácia dessas medidas sem o apoio do governo, a regulação privada da atividade ambiental atiça um discurso soberanista em relação a biomas como a Amazônia.
"Como temos um governo cada vez mais militarizado, também deve haver um aumento no contra-argumento [...] de que estão querendo internacionalizar a Amazônia", alertou a especialista.
Segundo ela, "esse é um debate que o Comando Militar da Amazônia sempre fez. A Amazônia foi bastante militarizada no período da ditadura a partir desse olhar".
Uma vez que "esse argumento ressoa de forma muito forte no senso comum", ele deve se tornar cada vez mais presente.
"Essa narrativa entra tanto na questão dos recursos naturais, quanto quando a população local, principalmente indígena, tenta se defender, dizendo que os indígenas são usados por ONGs internacionais. Esse tipo de argumento, que nunca morreu, deve ganhar força", acredita Brianezi.
No dia 15 de fevereiro, o BNP Paribas, maior banco da França, anunciou medidas que visam restringir o fornecimento de crédito aos produtores de soja e pecuaristas brasileiros em áreas desmatadas na Amazônia a partir de 2008. A medida poderá se estender para o bioma Cerrado. O anúncio foi recebido bem no mercado financeiro, com as ações do BNP Paribas fechando em alta de 2,3% na Bolsa de Paris.
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