Especialista ouvido pela Sputnik Brasil explica os supostos crimes do ministro do Meio Ambiente na investigação que apura indícios de contrabando de madeira da floresta amazônica, na Operação Akuanduba, e comenta a participação da PGR e dos EUA no caso.
Uma cooperação entre Brasil e Estados Unidos foi o ponto de partida para as investigações contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por envolvimento em suposto contrabando de madeira da floresta amazônica.
Isso porque a origem da Operação Akuanduba, deflagrada pela Polícia Federal, na última quarta-feira (19), está no envio de documentos da embaixada dos Estados Unidos às autoridades brasileiras.
Tudo começou em janeiro de 2020, quando o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos (FWS, na sigla inglês), espécie de Ibama norte-americano, confiscou três contêineres de madeira exportados irregularmente do Brasil, no Porto de Savannah, na Geórgia.
Após a apreensão, a embaixada dos EUA no Brasil forneceu à Polícia Federal documentações e amostras das madeiras apreendidas pelas autoridades norte-americanas.
A operação para apurar os indícios de contrabando de madeira da floresta amazônica já havia sido autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em outubro do ano passado, mas foi barrada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada por Augusto Aras, tido como aliado do governo Bolsonaro.
Em investigações que envolvem agentes públicos com foro privilegiado, o STF autoriza e a PGR é consultada antes de a Polícia Federal poder deflagrar a operação. Neste caso, a PGR não informou o motivo de não corroborar para o início da ação da PF.
Foi então que, nesta semana, após nova solicitação da Polícia Federal, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, autorizou o início da operação, pedindo apenas que o procurador-geral fosse comunicado após a deflagração.
Moraes determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Ricardo Salles e de servidores do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
O presidente do Instituto, Eduardo Bim, que assumiu o cargo em 2019, foi afastado por ordem do ministro do STF. Outras nove pessoas, que ocupam funções de confiança no Ibama e no Ministério do Meio Ambiente, também foram afastadas das atividades.
Na decisão, o ministro afirma que há suspeitas sobre a existência de "grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais", com base em depoimentos e documentos.
Para Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, as informações colhidas pela PF já "incriminam muito" o ministro Ricardo Salles.
"Não é uma acusação qualquer. É uma acusação em que o ministro, segundo a Polícia Federal, está envolvido em um esquema grave de facilitação de contrabando de produtos florestais. São nove crimes nos quais a PF enquadra o ministro e esse verdadeiro escritório do crime que foi montado no Ministério do Meio Ambiente, segundo as acusações", afirmou Astrini em entrevista à Sputnik Brasil.
Na decisão, o ministro Alexandre de Moraes cita os seguintes crimes: corrupção passiva, facilitação de contrabando, prevaricação, advocacia administrativa, corrupção ativa, crimes contra a administração ambiental, lavagem de dinheiro, integrar organização criminosa e obstrução de justiça.
Moraes ressalta ainda que foi identificada uma "movimentação extremamente atípica" de R$ 14,2 milhões envolvendo o escritório de advocacia do qual o ministro é sócio - com participação de 50% -, no período de janeiro de 2012 a junho de 2020.
"É algo bastante grave. Podem, inclusive, aparecer outras gravidades, após a coleta de materiais da PF", disse Astrini.
PGR atrasou investigações?
Segundo o secretário executivo do Observatório do Clima, existe uma série de ações com "uma base muito clara de irregularidades contra membros do governo parando nas mão da PGR".
"Sentimos que o procurador-geral da República no Brasil virou uma espécie de advogado de defesa do presidente da República [Jair Bolsonaro] e dos ministros do governo", afirmou o especialista.
Astrini ressalta que Augusto Aras tem tentado abafar as críticas à sua atuação com processos na Justiça.
Nesta quinta-feira (20), o procurador-geral ajuizou, na Justiça Federal do Distrito Federal, uma queixa-crime contra Conrado Hübner Mendes, professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), por críticas ao seu trabalho. Aras imputa ao professor a prática de crimes de calúnia, injúria e difamação.
"Certamente, neste caso [da Operação Akuanduba], como em outros casos, pode ter havido uma demora por conta do procurador, que atrapalhou, inclusive, as investigações e o andar dos processos", disse o especialista.
Papel dos EUA no caso
Astrini avalia que, aparentemente, as autoridades norte-americanas de fato cooperaram com o Brasil para o início das investigações. Segundo ele, não parece ter havido nenhum tipo de atraso no trâmite por parte dos Estados Unidos.
"Não sei se haveria algum ganho por parte dessas autoridades ou algum interesse. Não acredito nisso. Acho que se passou um processo realmente longo", disse o especialista.
O secretário executivo do Observatório do Clima lembra que o governo do presidente Joe Biden tem se mostrado engajado em buscar soluções com outros países para as questões climáticas.
Nos dias 22 e 23 de abril, os EUA promoveram a Cúpula do Clima, reunindo líderes mundiais, em uma tentativa de iniciar discussões sobre o aquecimento global e o desmatamento no planeta.
Para o especialista, Biden parece interessado em contribuir para proteger a Amazônia.
"O problema é o governo brasileiro, que não tem o menor interesse em proteger a Amazônia e o meio ambiente no Brasil. Muito pelo contrário. É um governo que lucra politicamente com a desregulamentação e desproteção do meio ambiente. E agora, segundo a Polícia Federal, o ministro lucra financeiramente, inclusive, com a destruição e a ilegalidade que imperam na Amazônia", afirmou.
Em entrevista ao jornal Estadão, no dia 3 de abril, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que pediria US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,28 bilhões) aos Estados Unidos para combater o desmatamento na Amazônia e que, com essa quantia, seria possível reduzir em até 40% o desmatamento ao longo de 12 meses.
Astrini afirma que a declaração "não faz nenhum sentido", já que o governo brasileiro tem à sua disposição o Fundo Amazônia, com cerca de R$ 3 bilhões para combater o desmatamento e o crime ambiental.
Segundo o especialista, o governo não o utiliza porque "não tem compromisso e nenhum interesse".
Além disso, ele lembra que existem ações que poderiam ser tomadas para proteger a floresta que não precisam de dinheiro.
Ele explica que essas medidas "estão baseadas em desfazer favores que o governo fez ao crime ambiental". Uma delas seria destravar o processo de cobrança de multas por crime ambiental no país.
"O problema não é dinheiro, é falta de compromisso do governo com a área ambiental. Agora, vemos que, inclusive, é um governo com pessoas denunciadas, que estão do lado oposto da floresta, do lado dos desmatadores, segundo a Polícia Federal", afirmou.
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