“Ninguém sabe dizer de onde ele tirou este número de 70% mas está pregando uma espécie de darwinismo epidemiológico”, escreve a jornalista Tereza Cruvinel. “Que todos enfrentem o vírus, e os que forem mais fortes vão sobreviver. Quem tiver que morrer, que morra”, diz ela, sobre o discurso de Bolsonaro
Nas últimas horas, em duas falas, Jair Bolsonaro foi o mais explícito possível quando ao seu plano macabro para o Brasil na pandemia: que o isolamento social acabe, a vida volte ao normal e morram quantos tiverem de morrer.
Nesta sexta-feira, na posse do novo ministro da Saúde, Nelson Teich, ele afirmou: “abrir o comércio é um risco que eu corro, se agravar vai cair no meu colo”. Quis dizer, o desgaste será seu, mas está disposto a pagar esta conta.
Na conta de Bolsonaro já está boa parte das 2.347 mortes. Alguns dos que morreram podem ter caído em seu canto de sereia, podem ter se mirado em seus maus exemplos e se descuidado da autoproteção, rompendo o isolamento. Mas quem morrer não vai para o colo de Bolsonaro, vai para a sepultura. Será que não pensam nisso os que apoiam sua pregação genocida?
Hoje, em mais um mau exemplo, ele foi receber um grupo de apoiadores na porta do Palácio do Planalto, onde juntaram-se os que pedem a volta ao trabalho e católicos que combatem o projeto que flexibiliza a proibição do aborto, que nem está em pauta neste momento. Quase todos sem máscara, aglomerados na porta do palácio, entregando objetos que Bolsonaro pegava com a mão. Nem mesmo os PMs da segurança estavam todos de máscara. Um desatino total. E ali Bolsonaro disse que “70% vão pegar (o vírus), não tem como. Se não for hoje vai ser amanhã, vai ser daqui a um mês. Nós temos é que trabalhar e proteger os mais idosos”. Disse ainda que vai resistir a um suposto golpe: “ninguém vai me tirar daqui”.
Além de ter uma visão fatalista da pandemia, Bolsonaro demonstra que não está entendendo nada da estratégia mundial de retardar a contaminação da população para evitar o colapso do sistema de saúde. Pois se todos “voltarem ao normal”, os hospitais ficarão entupidos, não haverá leitos nem UTIs, haverá mortos pelos corredores, como já aconteceu em Manaus. Teremos médicos escolhendo quem vai morrer e quem vai se tratado, como aconteceu na Itália.
Quando ele diz que 70% vão pegar mesmo o vírus, e que devem todos voltar ao trabalho, ele está ignorando completamente o risco de colapso. Ainda que 70% venham a ser infectados, isso não pode acontecer ao mesmo tempo, se não teremos o caos hospitalar. Ou Bolsonaro não consegue entender nisso, por burrice mesmo, ou não se importa que isso aconteça, morram quantos morrerem.
Ninguém sabe dizer de onde ele tirou este número de 70% mas está pregando uma espécie de darwinismo epidemiológico. Que todos enfrentem o vírus, e os que forem mais fortes vão sobreviver. Quem tiver que morrer, que morra. E agora ainda temos o novo ministro da Saúde “completamente afinado” com o chefe. Esta declaração de que a compra de respiradores é desperdício, porque não teremos o que fazer com eles depois também joga a favor da morte.
Uma vida pode depender de um respirador, e ele acha que não são necessários. Mas Bolsonaro sabe, e ele mesmo reconheceu hoje na confraternização macabra na porta do Planalto, que não tem poder sobre os governadores, que não pode determinar a reabertura do comércio. Então, está fazendo sua narrativa para o futuro, para quando sobrevier a conta econômica da pandemia: “eu bem que defendi os empregos mas os todos ficaram contra mim”. O problema é que sua estratégia narrativa, sua pregação da volta à normalidade, é produtora de mortes.
Tereza Cruvinel
Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.
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