Em entrevista à Sputnik Brasil, a cientista política Clarisse Gurgel avaliou a postura negacionista do governo brasileiro para além do meio ambiente, identificando uma doutrina pró-americana e pró-mercado que guiaria as atitudes do presidente Bolsonaro e de seus ministros.
Mantendo uma postura polêmica em meio aos persistentes problemas ambientais verificados em seu governo, o presidente Jair Bolsonaro voltou a causar impacto entre ambientalistas na última quinta-feira (22). Durante participação na cerimônia de formatura dos novos diplomatas do Instituto Rio Branco, em Brasília, o chefe de Estado brasileiro reforçou declarações dadas anteriormente pelo seu vice, Hamilton Mourão, sobre um projeto de convidar diplomatas estrangeiros para verem com os próprios olhos a suposta inexistência de devastações na floresta amazônica.
A ideia, segundo Bolsonaro, seria realizar uma viagem de uma hora e meia pela região, de Manaus a Boa Vista, durante a qual não seria visto "nada queimando ou sequer um hectare de selva devastada".
Problema tem, 'o que não tem é governo'
Esse plano de viagem do governo, segundo o pesquisador Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, é, obviamente, bem possível de ser realizado, dadas as dimensões avantajadas da Amazônia. Por outro lado, ele afirma, também seria muito fácil oferecer uma rota de passeio para os diplomatas estrangeiros onde seria possível verificar todos os "problemas reais" que vêm abalando a região: desmatamento, invasões de terra pública, garimpo ilegal, extração ilegal de madeira, grilagem e incêndios.
"Portanto, o governo pode até optar em levar os embaixadores apenas para ver as áreas preservadas da Amazônia, que realmente existem. Mas o grande problema, pelo qual o governo é cobrado, é exatamente nas áreas que estão sendo desmatadas e queimadas na floresta", disse o ambientalista em entrevista à Sputnik Brasil.
Astrini acredita que a insistência do presidente em entrar em choque com dados e números, relativizando ou até negando crises ambientais graves no país tem a ver tanto com interesses políticos de grupos de apoio ao governo, para quem vale "desenvolver a Amazônia a qualquer custo, passando por cima da floresta", quanto com o fato de Bolsonaro ser "adepto de teorias conspiratórias", que colocam a política ambiental e o desenvolvimento do país como fatores mutuamente excludentes.
"O governo diz que o problema não existe, quando, na verdade, a gente tem os dados provando que a situação está muito ruim, e cada vez pior. Mas o governo, para não agir, ele briga contra os números, briga contra a realidade, briga contra os dados. E quando não consegue vencer os dados, então, ele parte para essa ofensiva, dizendo que tudo não passa de uma conspiração internacional. Infelizmente, esse é o presidente que nós temos hoje."
Ontem (22), começou a valer uma decisão do Ibama de interromper os trabalhos das brigadas de incêndios florestais em todo o país, por falta de recursos. Esse órgão e o ICMBio acumulam mais de três meses de atrasos de contas de serviços básicos. As dívidas somam dezenas de milhões de reais.
A fim de evitar um aprofundamento da crise, o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu liberar R$ 60 milhões para o Ministério do Meio Ambiente. No entanto, para o secretário-executivo do Observatório do Clima, falta de dinheiro não é, definitivamente, a causa da dificuldade de se fiscalizar e combater práticas antiambientais no Brasil atual.
"O governo tem, por exemplo, o Fundo Amazônia, com mais de R$ 2 bilhões depositados nesse fundo e parados. O governo não usa esse dinheiro, está sendo processado no Supremo Tribunal [Federal]. O governo tem baixa execução do seu próprio orçamento. Para fiscalização, por exemplo, ações de fiscalização, usou menos da metade do orçamento disponível. Portanto, o problema não é dinheiro. O problema é gestão, o problema é planejamento, o problema é competência e o problema também é, acima de tudo, interesse em fazer a coisa certa. Dinheiro existe, o que não tem é governo."
Negacionismo é também pró-EUA e pró-mercado
Para a cientista política Clarisse Gurgel, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), embora, em um primeiro momento, a postura negacionista do governo Bolsonaro possa parecer desconectada das pressões internas e externas, ela, na verdade, seria também uma resposta às pressões, que, muitas vezes, vão muito além daquilo que se vê ou que é noticiado.
"Existe também aquilo que é feito nas camadas mais subterrâneas da política e da economia política, não só do Brasil como do mundo todo", diz a especialista também em declarações à Sputnik Brasil.
Uma das principais pressões, explica a acadêmica, partiria daquele que a administração Bolsonaro escolheu como grande parceiro na empreitada pró-mercado liderada pelo ministro Paulo Guedes, os Estados Unidos. Prova disso, ela destaca, seriam os recentes acordos sobre regras comerciais e transparência, facilitação de comércio e boas práticas regulatórias firmados entre os dois países e a parceria de US$ 1 bilhão [R$ 5,6 bilhões] entre o Banco de Importação e Exportação dos EUA (Eximbank) e o Ministério da Economia do Brasil, que, segundo ela, visam, resumidamente, a facilitar o uso da máquina pública brasileira em favor dos interesses de Washington. Indo contra os próprios interesses nacionais.
"Essa razão cínica é possibilitada por uma base doutrinária daqueles que formam a composição do governo Bolsonaro, que é uma base doutrinária americana."
Em nome desse americanismo e, em geral, do capital, é que o governo Bolsonaro, para a pesquisadora, se dispõe a assumir essa posição negacionista não apenas em relação ao meio ambiente, mas em qualquer situação que for preciso.
"Portanto, a atenção maior é para o resultado. Agora, que resultado é esse? 'Eu não me importo muito com o que é verdade, o que me importa é o resultado'. E que resultado? Resultado dessas taxas de lucro, que é o centro das atenções de Paulo Guedes", afirma.
De acordo com a cientista política, ao longo dos últimos 22 meses, o governo Bolsonaro desenvolveu, como tática política, uma espécie de "modelo de violência direta" para lidar com forças antagônicas que poderiam representar alguma ameaça para a sua gestão. E isso se mostrou muito eficiente.
"Esse método da violência direta tem se mostrado bastante eficaz no sentido de calar algumas instituições que se apresentavam, de início, como alternativas e até caminhos para se canalizar processos de derrubada do governo Bolsonaro. E isso permitiu, portanto, que ele seguisse em uma mesma linha", avalia. "Essa concessão, essa própria disposição das instituições brasileiras e de setores do empresariado brasileiro em aceitar o governo Bolsonaro e calar-se diante do governo Bolsonaro também é típica dessa doutrina, que é uma doutrina pragmática, em que menos importa a verdade, mais importa o resultado."
Para Gurgel, Bolsonaro, assim como seu homólogo norte-americano, Donald Trump, procura seguir uma dramaturgia e uma estética peculiares em seus discursos e aparições, afastando a possibilidade de surpreender o público com a sua persona. Quando ele faz suas declarações polêmicas, como a da última quinta-feira (22), é evidente, segundo ela, que ele está falando para o seu próprio público em primeiro lugar, mas não é possível acreditar que esse público não possa se expandir ao longo do tempo.
"Essas figuras grotescas aparentam uma espontaneidade, elas aparentam uma espécie de sinceridade, mesmo que da mais bruta. Então, essa sinceridade, que é aparente, essa espontaneidade aparente provoca uma espécie de prazer, mesmo que não se perceba. E o sujeito pode vir a aderir, na mesma lógica pragmática americanista."
As opiniões expressas nesta matéria podem não necessariamente coincidir com as da redação da Sputnik
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