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terça-feira, 22 de setembro de 2020

Antropólogo morto por Covid-19 considerava o capitalismo brasileiro o pai das favelas


Professor Luiz Antônio Machado da Silva, autor de “A Política na Favela – 1967” e “Sobre uma Sociedade Violenta”, além de vários artigos de importância para o tema, era considerado a maior autoridade em “favelas”. Confira entrevista concedida por ele a Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia


Por Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia
A Covid-19, que já nos levou quase 140 mil pessoas, nos ceifando verdadeiras reservas de talento e conhecimento tais como Aldir Blanc, Carlos Lessa e entes queridos de centenas de milhares de famílias, hoje fez uma baixa significativa na Sociologia e na Antropologia. Morreu, em decorrência do agravamento do quadro de saúde, pela doença, o professor Luiz Antônio Machado da Silva, um dos pioneiros da Sociologia Urbana e considerado a maior autoridade em “favelas”.
Autor de “A Política na Favela – 1967” e “Sobre uma Sociedade Violenta”, além de vários artigos de importância para o tema, atuou também na Sociologia do trabalho, econômica e da ação social.
Arguto, inteligente, amigo do trabalho em equipe, pertenceu ao IUPERJ; IESP; UFRJ; UFF e foi líder no Coletivo de Estudos Sobre Violência e Sociabilidade – (CEVIS).
Formou-se em Sociologia pela Pontifícia Universidade Católica – PUC-RJ, em 1964, tinha especialização em Ciências Sociais pela Universidade da Bahia (1963) e mestrado em Antropologia pelo PPGAS – Museu Nacional (1971). Doutor em Sociologia pela Rutgers Univerrsity of Nova Jersey, em 1979, dedicou a sua vida a entender e ensinar sobre as franjas da sociedade marginal, onde os que, sem acesso a moradias razoáveis, se amontoam em comunidades carentes. Neste momento, em que vai com ele todo esse acervo, vale reproduzir aqui, suas ideias, colhidas em uma entrevista no ano de 1998, que surpreendentemente continuam atuais. Por sua inteligência, e por negligência dos que não cuidaram do problema. Pelo contrário. Só o fizeram ampliar-se.
Para Luiz Antônio Machado, “o pai das favelas é o modo de formação do capitalismo brasileiro.” Descrente quanto a uma saída, ele acreditava numa melhora pela negociação, mas alertava que esse “é um problema histórico, de transformação lentíssima e dificílima, na melhor das hipóteses.”
Luiz Antônio tinha visão crítica quanto ao programa Favela Bairro – feito pelo prefeito Cesar Maia (1993/1997 – 2001/2009) e apresentado como de resultado positivo –, e não o difere das demais tentativas para urbanizar as favelas. “A única diferença é a sua abrangência. No caso do Rio de Janeiro, talvez tenha sido o mais amplo.”  Pesquisador do tema favelas há mais de 50 anos, o antropólogo dizia que, o Favela Bairro, “a não ser retoricamente, não apresentou novidade no modo de intervenção. Foi um programa clientelista, populista, elitista, epidérmico, muito pouco socioeconômico, pouco discutido com a comunidade, e o que faz é apresentar à população uma série de coisas boas que a ela não pode rejeitar.”
O mérito, segundo ele, está “na quantidade de favelas atendidas.” Embora chamasse atenção para o fato desses programas nunca terem eficiência prática. “Eles não visam melhorar nem piorar nada. Sua eficiência é política. Eles visam controlar e têm resultados em votos. Esse é o seu sentido não explícito, mas real.”
Por que os governos de um modo geral nunca levaram adiante uma política para as favelas? O que poderia ter sido feito para evitar esse crescimento desordenado que vemos hoje?
-As favelas sempre foram muito mais consideradas um problema social do que habitacional. Embora elas sejam concebidas e percebidas publicamente em termos territoriais – porque as favelas são áreas, são territórios –, a questão, como qualquer outra questão social do ponto de vista do governo, do estado, das classes dominantes, é de controle e as condições objetivas de controle.
-E como se dá esse controle?
-As formas objetivas de perceber o controle social variam ao longo do tempo. Isso nos permite, hoje, fazer uma espécie de periodização de quais seriam as melhores formas de controle social para o problema das favelas. A gente pode até imaginar um momento zero em que elas não existiam e passaram a existir, mas simplesmente não eram percebidas. Elas estavam lá, mas não eram vistas por que não eram problema. Eram apenas uma situação de fato, um dado da paisagem urbana.
-Em que momento elas passaram a ser percebidas como “problema social”?
-A partir do aumento de densidade da favela, que está ligado ao processo de urbanização e modernização, começam a ser percebidas como uma área problemática por conta das dificuldades do controle social e do disciplinamento dos moradores. Boa parte do controle social é a necessidade de se disciplinar a população para determinado tipo de atividade e modo de vida. É aí que aparecem as favelas como problema.
-O Senhor está falando de que período?
-De um período muito anterior ao governo Vargas, quando começam a aparecer os territórios problemáticos, vamos dizer assim, quando a questão não é o território, mas o problema social que está condensado naquele lugar. Isso é do início do século passado, mas se intensifica muito nos anos 30 por causa da explosão do processo de urbanização e industrialização.
-Historicamente o marco do surgimento das favelas não é o do retorno dos combatentes de Canudos, que entregues à própria sorte, com os soldos atrasados, acamparam no morro onde hoje existe a comunidade da Providência, em barracas, esperando uma solução que não veio, transformando-os em favelados?
(N.R. A situação os remeteu ao morro do Alto da Favela, de onde eles bombardearam o povoado de Canudos.)
-Essa é a história da cronologia do nome. Certamente esta foi a primeira aglomeração chamada de favela. Não há uma certeza terminal, mas tudo leva a crer que foi essa, o que tem a ver com uma favela e o seu nome, mas as aglomerações são muito mais antigas. Os bolsões de pobreza, as habitações nos morros, a falta de trabalho, a desorganização familiar, e o que se costuma chamar de organizações especiais de padrões familiares, todo esse elenco já existia, embora com uma densidade demográfica muito mais baixa, há muito tempo.
-O senhor prefere considerar então que o surgimento das favelas se deu com a primeira agremiação de pessoas carentes e com o problema da moradia?
-O problema habitacional é muito anterior à existência disso que vem a ser chamado de favela. A história é muito longa. Esse corte da favela apareceu com esse nome naquele período, mas para trás disso, até ser suficientemente significativo para chamar atenção e receber o nome teve uma história latente. É feito uma árvore. Ela já tem raiz, mas só quando aparecem os galhos é que se diz, olha aí uma árvore. O fato de se nomear não significa que naquele ponto nasceu o fenômeno favela. Ali nasceu o nome favela. Isso não é uma mentira, mas é uma verdade que se transformou num mito. É importante esse entendimento histórico para não ficarmos com um mito de origem, que é um pouco isso.
Quando foi que o governo se preocupou pela primeira vez em traçar um programa para mudar esse quadro?
-Nos anos 20, por aí. A vontade política se manifesta de formas diferentes. Às vezes mais autoritárias, noutras mais fechadas, às vezes mais democráticas e com um processo de negociação. Há uma tradição longa de gerar uma polarização entre urbanização e remoção. O marco dessa briga foi o governo de Carlos Lacerda no início. Aliás, antes de seu governo, já nos anos 40, durante o processo de redemocratização do Estado Novo, no Correio da Manhã, ele fez uma campanha enorme chamada A Batalha do Rio, que não deu em nada, foi apenas uma campanha de mídia, mas que teve uma grande reverberação política. E durante essa campanha o Lacerda pintava a favela como se fosse o caos na cidade, o que era muito característico do modo de atuação dele.
-Em seu governo ele pôde colocar em prática essas ideias…
É, mais tarde esta posição entre remoção e urbanização também foi marcada pela atuação do Lacerda. Isso marca um padrão de entendimento. Se for urbanização é mais democrático, mais aberto, e com um controle social mais flexível. Se for remoção é um pacote autoritário, um controle social, como se essas duas alternativas fossem as únicas possíveis. Esse conflito armado dessa forma, polarizado, paralisou a transformação positiva ou negativa do programa de favela.
-Mas já na época da cruzada São Sebastião essas questões estavam colocadas, não?
-A Cruzada é um pouco anterior ao processo de redemocratização do Governo Vargas, fim da Ditadura. Ela entra como a forma carioca de intervenção da Igreja no debate público entre o comunismo e o capitalismo.
-Nesse ponto então a discussão foi politizada. Afinal, a favela está “fora da ordem” …
-O problema é que a articulação socioeconômica do Brasil sempre foi desigual e fragmentada. Funciona por milagre, porque o estado brasileiro é uno, a cultura brasileira é una, mas a sociedade é fragmentada. Como essa coisa pode se dar é um dado da teoria social que eu não tenho competência para resolver, mas há esse problema. Uma das dificuldades no começo da favela como problema era controlar a força de trabalho que já não era mais escrava, mas precisava ser reorientada para se transformar em proletariado. O proletário não nasce. Ele é feito. Até então ele era quase rural. O Brasil era uma grande fazenda que tinha um povoado. É uma metáfora um pouco forte, mas até Getúlio foi assim.
-Essa “sobra” que não era proletária e tampouco escrava formou as favelas?
Foi mais ou menos o que o Marx chamava de exército de reserva latente. Só que nesse caso esse exército estava na cidade, e o que o Marx chamava de exército reserva latente estava no campo. Era o campesinato. Aqui não era mais o campesinato. Era a população livre, urbana que, no entanto, ainda não era proletária. Ela fica ali esperando, e enquanto não é proletário ela faz biscates, cria caso, atrapalha. É isso que a população assentada nos padrões de cada uma das épocas chama de caos. E de caos não tem nada. É perfeitamente justificável como uma forma de organização, mas é lido para quem está estabelecido como o outro lado da ordem. Ou seja, como um problema de controle.
-Há períodos em que ela incomoda mais, em outros, menos, seria isso?
-Esse problema de controle muda de acordo com a organização da ordem, com os interesses articulados na ordem. Ela é ao mesmo tempo produzida pela ordem, necessária, mas problemática porque é uma borda. A maneira de lidar com esse problema muda ao longo do tempo, porque, o que é a borda? Quais os problemas representados pela borda? Como se controla a borda? Isso muda de acordo com as formas econômicas sociais e políticas organizadas.
-E em que época se retoma essa preocupação com relação às favelas?
-Há um segundo momento em que se reconhece que o problema aumenta, quando ela começa a tomar muito espaço. Aí se discute uma solução para a favela. Esse período corresponde ao pré-guerra que era ainda de consolidação da República, um período fortemente autoritário, em que as camadas populares não tinham participação, e a intervenção política na esfera estatal era quase nenhuma. Era o pré-estado Novo.
-De que forma o Estado Novo tratou as comunidades carentes?
– Com o Estado Novo as políticas se formalizam muito mais porque esse é o primeiro momento em que o problema da habitação vira tema de intervenção de política pública através dos aparelhos do estado. Surge a filosofia do homem novo e a ideia dos conjuntos dos IAPs. Havia toda uma política habitacional de produção de conjuntos para os funcionários dos institutos existentes, como saída para a habitação de uma maneira geral.
-Depois da política do Estado Novo, quando o governo tenta a política dos conjuntos, o que é que veio?
-Na época havia dois grandes projetos em formulação. Para simplificar a gente pode botar de um lado a esquerda, com o partido comunista, e de outro lado a direita, com a Igreja católica, principalmente. E não só no Brasil. Aí estamos falando em partido comunista como movimento internacional, e falando da Igreja também. No caso dela temos um personagem importantíssimo que hoje é pouco mencionado: o Padre Lebret, um francês e um dos formuladores que institucionaliza as ideais que se chamava de solidarismo cristão. Era o que se chama hoje de promoção humana. Ele entrou no Brasil através do José Arthur Rios, na década de 40, durante o processo de redemocratização, no pós-guerra. O José Arthur Rios era um urbanólogo famoso, um cientista social importante que trabalhou com o Lacerda.
A intenção, na verdade era o combate ao comunismo?
– Sim. A ideia era essa. Para se contrapor à expansão do comunismo, e como a Igreja tinha uma boa relação com o estado, foi criada a Fundação Leão XIII, no início dos anos 40. Era uma entidade ligada à Igreja, mas ao mesmo tempo atuava como se fosse um braço privado do estado. Acabou sendo absorvida por ele. E esse momento de redemocratização era de muita ebulição política. Vivíamos o final da guerra, a abertura democrática, a legalização do partido em 46, e o debate público. Havia localmente, no Rio, uma discussão sobre como resolver o problema da favela, e duas concepções. Uma fortemente baseada na luta de classes, na revolução etc. A outra, uma espécie de variante não hegemônica no partido comunista que pensava na organização das massas, aquela coisa toda, considerando os favelados como um ponto crítico para a organização.
-E como era a atuação do PC nessa questão?
-Havia um símbolo dessa organização que era o morro do Boréu, com uma organização fortíssima e que nesse período sofreu uma ameaça de remoção por parte dos proprietários. E aí tem uma história muito bonita. Por orientação do PC, os moradores fizeram filas nas entradas do Boréu começando com crianças, depois mulheres, e por fim os homens armados de paus. Por estarem as crianças na frente, a Polícia não invadiu. Na época foi uma coisa altamente inovadora, muito bonita. Isso deve ter sido logo depois da redemocratização e desse contexto entre a Igreja e o partido.
Foi aí que a Igreja começou a se interessar em trabalhar nas favelas?
A igreja em sua linha auxiliar começou, também, a se interessar por favelas em contraposição ao partido comunista, e com a ideia da promoção social, transformações de mentalidade, que eram características da linha geral da intervenção da Igreja.
-E aí surge a Cruzada São Sebastião?
-No Rio de Janeiro a instituição que articulou isso foi a Cruzada. A ideia que se tem hoje é de que a Cruzada é só um conjunto habitacional no Leblon e, no entanto, ela era uma entidade. Ela era uma instituição pertencente à Igreja Católica com personalidade jurídica, e que tinha uma atuação no Rio de Janeiro inteiro. Aquele conjunto de prédios da Cruzada é conhecido porque é o único monumento à favela na Zona Sul, mas a Cruzada interferiu em muitos lugares. Por exemplo, na Barreira do Vasco. Eu conheci umas cinco ou seis favelas onde a Cruzada atuava. Não me lembro mais de todos, mas o padrão de atuação era esse. O caminhar com o povo, transformar a mentalidade. Hoje seria resgatar a cidadania. Seria o que se chama de política de inclusão.
-Qual foi o parque proletário mais emblemático desse período?
-O mais emblemático não existe mais, que era o Parque da Gávea. Ele terminou nos anos 60, provavelmente pela especulação imobiliária. Ele é emblemático por ser na Zona Sul. Eu estive lá e era muito feio, todo de madeira. Não era nem favela, nem conjunto habitacional, e tinha regras super rígidas no começo. Era uma coisa quase militarizada. Era a época da ditadura do Getúlio, um governo muito autoritário. O parque proletário era um ponto de passagem. O espírito da coisa era esse.
-Era para não deixar que as favelas se proliferassem?
-O instituto dos arquitetos numa gestão que eu não me lembro de quem, chegou a propor formalmente uma política de barreira policial no Rio para impedir a migração porque na discussão sobre a favela como problema, a questão da migração rural urbana tinha um papel muito importante. Uma das razões dessa confusão era a de que o exército de reserva vinha para a cidade. Então não era uma coisa fantasiosa.
-Quando é que dava tempo de interferir nesse processo, paralisando o crescimento?
-Se é que houve um tempo em que dava tempo, foi antes dos anos 30. Depois dos anos 30 não deu mais. Não deu e não dará. A questão do sistema de sub-habitação nas cidades não é solucionável.
-Ou era solucionável no Brasil da era rural ou não dá mais?
-Ou o Brasil se tornava um país capitalista light, o que é impensável, ou esse não é um problema que tenha solução. É uma problemática no sentido do Foucault (Michel Foucault – filósofo), que se reproduz de formas diferentes indefinidamente.
-E em que fase estamos agora (22 anos atrás)?
-No da negociação. É impensável, por exemplo, um Lacerda dizer: vamos remover a Rocinha. Ninguém teria coragem de fazer uma coisa dessas. Ele removeu a Praia do Pinto e a favela do esqueleto, onde é a Uerj. A ideia de que isso era viável não era apenas uma maluquice, não. Foi implementada. Se tocaram fogo, se mataram gente, é outro problema.
-Buscou-se uma saída à custa de conflitos?
-Buscou-se e fez, porque a concepção era uma concepção dura de controle social. A concepção de controle social agora é a de controle negociado. Governança, parceria, essas coisas lights.
-Mas foi a primeira vez que o estado interveio “firmemente” nessa questão?
-Não. O estado está intervindo desde os anos 20. Mas foi a primeira vez que um governo estadual teve força suficiente para implementar uma política autoritária como aquela.
-E o resultado daquela política?
-Primeiro, sabe-se, foi desastroso. Foi quantitativamente mínimo, epidérmico do ponto de vista quantitativo, como todas as intervenções, no mundo inteiro. A literatura sobre os resultados socialmente perversos, degradantes etc., das políticas de remoção é inacabável. Não é uma questão de ideologia nem de gosto. Foi um insucesso. A razão desse insucesso é que uma das formas de organização social disso que aqui nós estamos chamando de borda para simplificar, mas passava por uma história de convivência de longo prazo. Como é uma organização que ocorre nas franjas das relações formais, constitucionais, legais, ela depende de um processo de convivência de longo prazo. Formação de rede de conhecimento, esse tipo de coisa. A política de remoção destrói essa rede que precisa ser reposta, mas para repor essa rede leva um tempo e o tempo de repor é altamente conflituoso. Só que antes a produção dessa rede era de longo prazo, porque a ocupação das favelas não era feita de chofre, mas a remoção era. Então a taxa de conflito interno era agudérrima, além disso, a distância do trabalho, essas coisas.
-E aí veio a política dos militares, que tentou uma reencenação disso com Cidade de Deus?
A política de remoção do Lacerda foi a base ideológica e o exemplo da política de intervenção em favelas dos governos militares. O órgão símbolo foi a Coordenação da Habitação dos Interesses Sociais, das Áreas Metropolitanas do Rio de Janeiro (Chizam). Federalizaram o modelo do Lacerda, mas onde esse modelo estava implantado. Não pegaram o Brasil inteiro. Começaram pelo Rio e aí criaram essa coordenação, que era uma federalização da linha de atuação do Lacerda.
-E aí nasceu Cidade de Deus?
-Entre outras coisas. A remoção se tornou não mais um problema só político e estadual, mas agora com peso, o aval e a grana federal. Teve uma vida mais ou menos curta porque já era do meio para o fim da ditadura. Então a Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana (CHISAM) exerceu o poder institucional durante pouco tempo, talvez uns cinco ou seis anos. Foi perdendo a força na medida em que a ditadura também declinava.
– O que o senhor diria das críticas (políticas) feitas ao governo Brizola, de que ele fez vista grosssa para as novas ocupações e incentivou o crescimento das favelas da zona sul?
-O governo Brizola se concebeu como um governo popular. Não acho que houve estímulo. O Brizola era um político sensato e muito bom, para estimular uma coisa dessas. Houve uma tolerância que de certo ponto de vista é concebível. Como é um problema que não tem solução, não adianta enxugar gelo com o pano de prato. Talvez se possa identificar em sua atitude a tolerância, ou simplesmente um reconhecimento da impossibilidade de interferir sobre a dificuldade do povo de morar de outra forma.
-O que foi o Favela Bairro?
Uma nova maneira de se exercitar essa política de controle social que varia ao longo do tempo, mas é a mesma. Eu não acho que o Favela Bairro tenha nenhuma novidade como formulação. Ele tem uma retórica mais globalizada, mais universalista, adaptada aos gostos dos ouvidos dessa época atual, mas é uma intervenção que é a mesma que já vem ocorrendo. Ela é mais estética. Um dos problemas da favela é a sua visibilidade. Implicitamente uma das maneiras de botar debaixo do tapete o problema das favelas é torná-las menos visíveis e, portanto, diminuir a diferenciação visual. Desaparecendo essa visibilidade física das favelas o problema diminui.

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