Apesar de ter se popularizado em todo o mundo só na última década, a expressão inteligência artificial (IA) surgiu ainda no fim dos anos 1950 e, na origem em latim, significa "inteligência que vem da arte". E há quase 75 anos já era iniciado o esboço do que viria a ser o primeiro chatbot (assistente virtual) do mundo, batizado de Elisa.
É o que contou Thomas Bellini Freitas, doutorando na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ao podcast
Mundioka, da Sputnik Brasil, apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho. "Mas essa ideia de uma criação artificial é muito mais antiga, vem de séculos. Heron de Alexandria [que viveu na Grécia Antiga] já fazia desenhos de autômatos", esclarece o especialista, que também é autor do livro "Inteligência Artificial e Responsabilidade Humana".
Setor que deve gerar até
US$ 150 bilhões (R$ 731,7 bilhões) em
investimentos até 2035, a inteligência artificial teoricamente não tem limites, segundo Thomas Bellini.
Porém o potencial do que pode proporcionar à sociedade só está no começo. "As utilizações ainda são extremamente simples. O ChatGPT [um dos chatbots mais populares] tem toda essa atenção midiática por ter uma linguagem generativa, mas ainda é fraco e não consegue dar conta de procedimentos de altíssima complexidade", pontua.
Quais são os 4 tipos de inteligência artificial?
A inteligência artificial é classificada em quatro segmentos: aprendizado de máquina, robótica inteligente, processamento de linguagem natural e visão computacional.
Conforme o especialista, é um sistema que busca simular uma decisão humana, mas não substituí-la. "Um avião não tenta ser igual a uma ave, o avião tenta ser um avião, assim como a IA não tenta ser um ser humano, por mais que em muitos casos a diferenciação vá ser quase impossível. É o caso de simulações de pessoas, criação de imagens", exemplifica.
Com avanços notáveis na fronteira da tecnologia, a IA já emerge como protagonista nas narrativas contemporâneas. Desvendando novas possibilidades e desafios, essa revolução digital redefine os limites do possível, moldando o futuro com algoritmos e inovações que permeiam todos os aspectos da vida moderna.
O box acima poderia muito bem ser uma explicação do próprio especialista ou um parágrafo desta reportagem, mas foi criado, a título de exemplo, a partir de uma das tantas ferramentas de inteligência artificial de acesso gratuito.
Thomas Bellini alerta justamente que uma necessidade para garantir a segurança em relação à tecnologia é sempre avisar que tal ação foi criada por uma IA.
"Por exemplo, no âmbito do direito pode ter uma decisão judicial feita com base em inteligência artificial e sem os réus saberem que veio dessa tecnologia. Existe um debate sobre até que ponto ela pode ser utilizada, ou, no mínimo, [pode ser] informado […] o seu uso", justifica.
Como a inteligência artificial afeta a sociedade?
As
notícias falsas já são alvo do debate e da preocupação frente aos problemas que trouxeram à democracia nas últimas décadas. E com o avanço da tecnologia e a facilidade de acesso à IA, passaram a influenciar ainda mais
todo o sistema político, lembra o doutorando da UFRGS. "O grande debate que acontece nesse quesito são as notícias falsas que são amplificadas pela utilização da inteligência artificial, que confere a esse problema um grau de perigo muito maior. Existe algo que se chama deepfake, ou seja, a simulação de uma maneira que fica praticamente idêntica à realidade. Inclusive viralizou, não há muito tempo, uma imagem do papa [Francisco] de jaqueta até razoavelmente realista, e pode enganar alguém", disse.
Esse é um dos motivos, conforme o especialista, que levam à necessidade de uma regulamentação internacional que imponha limites e regras ao uso da IA. "Já foram feitas, inclusive, algumas declarações conjuntas, até mais recentemente, dos Estados Unidos e da China para justamente tentar impedir os males. Mas nada até hoje prático, com resultados concretos. Eu acho que as Nações Unidas deveriam colocar isso, inclusive, como prioridade, a elaboração de algum tratado internacional para regular a inteligência artificial", defende.
Como a inteligência artificial contribui em conflitos militares?
Os avanços tecnológicos da inteligência artificial
já podem ser vistos até no meio militar. É o caso do conflito na Ucrânia, em que, segundo Thomas Bellini, a tecnologia está presente nos
avançados drones russos.
"Está sendo empregada de uma maneira extremamente eficiente pela Federação da Rússia. O drone Lancet, que é muito famoso, tem um alto grau de precisão. E elaborou agora uma nova versão, que se chama Izdelie 53. Esses equipamentos conseguem se comunicar entre si e atingir um alvo sem a atuação humana. Ou seja, é a inteligência artificial empregada no combate."
Diante disso, o especialista lembra que o debate sobre a IA já é um
importante elemento da geopolítica atual, uma vez que está além dos setores intelectual, acadêmico e econômico, tornando-se uma
nova ferramenta militar.
"Inclusive uma das razões para os Estados Unidos tentarem tirar da China seu acesso aos chips e semicondutores, que hoje em dia se debate tanto, é justamente para evitar que a China tenha progresso no ramo", diz.
China: uma das líderes do desenvolvimento global da inteligência artificial
Com pelo menos 79 modelos de IA já desenvolvidos, cada um com mais de 1 bilhão de parâmetros, a China tem alcançado um enorme progresso nos últimos anos que a coloca entre os países líderes no setor. Além disso, metade desses modelos é realizada em código aberto, o que significa que são disponibilizados gratuitamente.
"A China tem avançado no desenvolvimento de modelos de inteligência artificial (IA) em grande escala. De acordo com o Instituto de Informação Científica e Técnica da China, pelo menos 79 modelos de IA em grande escala foram desenvolvidos no país, cada um com mais de 1 bilhão de parâmetros. Especialistas da indústria afirmam que os Estados Unidos e a China têm liderado o desenvolvimento global desses modelos, mas a China ainda precisa diminuir a lacuna com os Estados Unidos nessa área", afirmou.
Já no Brasil, o especialista lembra que, apesar de ter cientistas de dados que "não ficam atrás em nenhum quesito" do resto do mundo, ainda não existe nenhum projeto importante na área. "O STF [Supremo Tribunal Federal] utiliza uma IA para analisar alguns processos, o Tribunal de Contas da União [TCU] também, e certamente existem vários outros. Na área do agronegócio, algumas tecnologias estão sendo empregadas, até mesmo para satélites, para saber onde é que tem alguma queimada, onde há desmatamento; isso pode ser empregado. Entretanto não há nada muito robusto."
Como será o futuro do trabalho na era da inteligência artificial?
Um dos principais temores é a substituição de vagas no mercado de trabalho pelo
uso da inteligência artificial nas mais diversas funções, como um contador, analista de crédito, caixa de supermercado e profissional de marketing.
O professor de direito da pós-graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo e coordenador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da entidade, Alexandre Pacheco, enfatiza que novos tipos de trabalho também serão demandados pela tecnologia.
Porém o questionamento que fica é: o saldo será positivo ou negativo?
"Esse discussão sempre ocorreu nas grandes transformações tecnológicas. Quando surge a eletricidade, por exemplo, deixaram de ser necessários os acendedores de lampiões ou até mesmo postes de querosene para gerar iluminação noturna. Com a disseminação da energia elétrica, cria-se, no final das contas, um contexto em que a pessoa não é mais necessária. E nesse sentido, como ela vai ser realocada? Vai existir uma nova posição para ela poder trabalhar?", questiona.
Para o especialista, as habilidades que a pessoa conseguiu construir ao longo de toda uma vida
deixam de ser demandadas pela sociedade, e por isso é criado um
grande desafio social.
"Cada vez mais vislumbro, pela velocidade da transformação tecnológica e pelo tipo de transformação tecnológica que a gente está vivenciando, que o saldo será negativo. Nisso entram os governos, com políticas [de readequação profissional destes] […] exércitos de pessoas […] [nas quais] a gente já investiu para que tivessem uma formação, e que essa formação se perdeu ao longo do tempo por causa das transformações tecnológicas", finaliza.
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