Em meio à crescente preocupação com a degradação do meio ambiente no Brasil, especialistas ouvidos pela Sputnik apontam os motivos pelos quais o governo Bolsonaro teria a pior gestão ambiental desde o restabelecimento da democracia no país.
Desde antes da posse do presidente Jair Bolsonaro, o meio ambiente sempre foi uma das áreas de maior preocupação quanto às diretrizes da nova administração federal. Em pouco mais de um ano e meio de governo, as expectativas negativas, segundo a maioria dos especialistas e dos cidadãos comuns, se confirmaram. Incontáveis críticas se acumularam, ao longo dos últimos meses, à atual gestão ambiental nacional, em meio a inúmeras polêmicas envolvendo a Amazônia, o Pantanal e outros biomas brasileiros.
Chefe da pasta encarregada de assegurar a proteção do meio ambiente, o ministro Ricardo Salles tem sido um dos mais questionados por sua atuação entre os membros do governo. Além de posicionamentos controversos e, segundo críticos, pouca habilidade para lidar com crises, pesa contra ele o fato de já ter sido condenado, em primeira instância, por atos de improbidade administrativa, quando era secretário estadual, em São Paulo. O julgamento em segunda instância estava marcado para esta quinta-feira (3), mas foi adiado.
Salles foi acusado de cometer diversas irregularidades no procedimento de elaboração e aprovação do plano de manejo da Área de Proteção Ambiental Várzea do Rio Tietê. Ele teria participado, de acordo com o Ministério Público, de um esquema que promoveu modificações de mapas, alteração de minuta do decreto do plano de manejo e perseguição a funcionários da Fundação Florestal, com o objetivo de beneficiar empresas filiadas à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), também condenada.
Há vários meses, circulam especulações sobre uma possível saída do ministro do cargo, medida vista por muitos como uma manobra que poderia acalmar um pouco os ânimos e enviar uma mensagem importante aos mais diversos setores, dentro e fora do Brasil. Há quem acredite, no entanto, que a permanência ou não de Salles na pasta pouco mudaria, na prática, os rumos traçados pelo governo Bolsonaro para a gestão ambiental, que estaria caminhando, a passos largos, para um completo desastre.
'Pior governo no quesito proteção ao meio ambiente'
Em 25 de janeiro de 2019, menos de um mês depois da posse de Bolsonaro, o rompimento de uma barragem em Brumadinho, Minas Gerais, provocou um vigoroso derramamento de rejeitos que se espalhou por uma vasta área e vitimou pelo menos 270 pessoas. Obviamente, não foram traçadas ligações de culpa entre o incidente e a nova administração, mas as proporções do desastre jogaram os holofotes sobre o quanto de atenção o governo brasileiro daria ao meio ambiente.
Quando, no meio do ano, uma crise de queimadas e desmatamentos na Amazônia reacendeu o interesse público pelas questões ambientais, a suposta atitude permissiva do governo para com violações, as declarações polêmicas do presidente e do ministro Salles, os ataques à ciência, a postura de favorecimento à exploração em detrimento da preservação, entre outras coisas, transformaram a gestão ambiental brasileira em assunto global, mobilizando autoridades e personalidades dos quatro cantos do planeta.
A situação, que já não era boa, se deteriorou quando, em meio a isso, grandes quantidades de óleo começaram a aparecer em diversas praias do Nordeste brasileiro, impactando depois também a região Sudeste. Apesar das diferentes teorias que tentaram explicar como o derramamento teria ocorrido, mais de um ano depois, o episódio segue envolto em mistérios, com consequências de dimensões ainda desconhecidas e sem ninguém ter sido responsabilizado legalmente.
Novamente, embora não tenha havido suspeitas sobre culpa do governo no caso, a falta de preparo, a demora em dar uma resposta e a permanência do problema por tanto tempo, segundo vários ambientalistas, demonstrou, no mínimo, uma grande negligência do poder federal.
"Não há dúvidas de que o governo Bolsonaro é, de longe, o pior governo no quesito proteção ao meio ambiente desde que o Brasil voltou a ser uma democracia, há quase 40 anos. Ele tem investido, desde o primeiro dia, em desmontar, paralisar os órgãos de controle ambiental", afirma em declarações à Sputnik Brasil o diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil, Raul Valle.
De acordo com o especialista, medidas como a substituição de funcionários qualificados por pessoas sem experiência em postos-chave de combate a crimes ambientais, por exemplo, indicam que o governo "não está disposto a punir o criminoso ambiental, mas, sim, disposto a punir aqueles que combatem o crime" e isso vem sendo "sentido na ponta".
"O aumento de invasão e desmatamento em áreas protegidas, áreas do governo que deveriam ser protegidas, é sintoma dessa paralisia dos órgãos de controle e de uma mensagem muito permissiva com a criminalidade ambiental no país. Então, o governo, embora não tenha, ainda, modificado o aparato legislativo — poucas leis foram aprovadas pelo Congresso mudando o regramento atual —, na prática, isso vem acontecendo simplesmente porque as leis não estão sendo aplicadas."
Ricardo Salles, na opinião de Valle, só está ocupando o Ministério do Meio Ambiente porque é "conivente" e "cúmplice" dessa "linha de desmonte da política ambiental". E, só por isso, ele ainda não foi demitido, apesar das muitas denúncias feitas contra ele.
Brasil tem hoje uma 'antipolítica' ambiental
Para Rosa Formiga, professora do Departamento de Engenharia Sanitária e do Meio Ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a gestão do setor na atual administração é tão "desastrosa" que, em vez de falarmos em política ambiental, deveríamos chamar o que está sendo feito de "antipolítica" ambiental.
Segundo ela, a situação da Amazônia hoje ilustra bem essa condição: desmatamento acelerado e sem controle, queimadas, desprezo pelos povos indígenas, comunidades tradicionais e pela biodiversidade e desmonte dos órgãos de monitoramento, gestão e fiscalização, como IBAMA, ICMBio e INPE.
"Ou seja, temos uma política ambiental desastrosa, ou uma antipolítica, que está nos levando a uma crise de grandes proporções", argumenta a acadêmica também em entrevista à Sputnik. "No caso da Amazônia, essa crise pode inclusive atingir um 'ponto de não retorno' às condições originais da floresta, podendo sofrer um processo de savanização, como alertado pelo climatologista Carlos Nobre, ou alterar o fluxo dos 'rios voadores', que são formados pela floresta e garantem a umidade de Cuiabá a São Paulo, conforme explicação do cientista Antônio Nobre."
No final do mês passado, o governo enviou ao Congresso um Projeto de Lei Orçamentária Anual, para 2021, prevendo uma redução de R$ 184,4 milhões no orçamento do Ministério do Meio Ambiente, o que representaria uma queda de 5,8% em relação aos R$ 3,128 bilhões destinados à pasta neste ano.
A julgar pelo andamento das coisas, Formiga considera pouco provável que a situação possa melhorar no médio prazo, apesar de toda a resistência que tem se tentado organizar ao suposto projeto antiambiental em curso.
"Apesar dos alertas e de iniciativas internas e internacionais, não tenho nenhuma esperança de mudanças de rumo na política ambiental do governo atual, que tem reiterado seu desprezo pela ciência, pelo meio ambiente, pelos povos indígenas e pelas comunidades tradicionais."
Ação, reação e resistência à 'boiada'
Em reunião ministerial no último 22 de abril, Ricardo Salles causou alvoroço ao sugerir ao presidente que o governo deveria aproveitar o foco da imprensa na pandemia do novo coronavírus para realizar reformas infralegais no sentido de desregulamentar políticas ambientais.
"Então, pra isso, precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID-19, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas", disse o ministro na ocasião, gerando revolta e pedidos de investigação e afastamento por parte de parlamentares.
Críticos ao governo consideraram o episódio uma prova dos planos de Bolsonaro de destruir o sistema de proteção ambiental brasileiro, em favor de interesses financeiros privados.
"Todos os problemas que nós estamos vivendo hoje não são decorrentes de aplicar ou não política. É um processo de desmonte muito bem elaborado", avalia o diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani, também ouvido pela Sputnik. "É uma estratégia de governo de acabar com essa questão ambiental. Porque o governo não tem alcance do que são hoje os temas globais, não tem alcance para além das milícias, das ocupações e de acobertar coisas de família. E nem sequer consegue administrar a questão da COVID-19, que é um problema sério."
Mantovani pontua que se, por um lado, é escancarada a incompetência a nível federal, por outro, é preciso destacar que "governos subnacionais estão tomando para si" a responsabilidade de evitar um estrago ainda maior na área ambiental, inclusive com apoio de outros setores. Segundo ele, há uma reação também por parte de grandes investidores e empresários, do Brasil e do exterior, para tentar frear esse processo de degradação.
"Nós começamos a ver que esse pessoal não quer esse governo porque está colocando em risco toda a estrutura de país. Depois, a gente vê também, como eu falei, os governos subnacionais, se mantendo no Acordo de Paris, mantendo as suas estruturas ambientais, seus licenciamentos. Isso mostra que está tendo reação."
Ainda sobre essa reação, o diretor da SOS Mata Atlântica afirma que isso mostra que a preservação ambiental não é, definitivamente, apenas uma coisa de ambientalista.
"Há uma resistência e que bom que o movimento ambientalista agora ganhou adesão da economia, ganhou adesão da sociedade, que 70%, na última pesquisa, acredita que esse governo é responsável pela destruição da Amazônia", disse ele, acrescentando que é possível fazer um "enfrentamento com informações precisas e corretas".
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