A crise dos semicondutores tem gerado diversos problemas à indústria brasileira, principalmente no setor automotivo. A Sputnik Brasil entrevistou especialistas e representantes do setor de semicondutores para discutir como o Brasil pode se proteger de crises futuras.
A fábrica da Volkswagen de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, recentemente anunciou férias coletivas a 2,5 mil trabalhadores da planta para quase todo o mês de maio. A razão é a falta de insumos para manter a produção, incluindo os semicondutores, essenciais à produção de componentes eletrônicos. Essa foi a quinta paralisação na empresa desde o início da pandemia.
Esse é mais um capítulo da crise dos semicondutores que se arrasta ao longo da crise sanitária. O economista Marco Antonio Rocha, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) explica que o problema está relacionado à paralisação de determinadas linhas de produção na China e a mudanças de mercado durante a pandemia.
"A maior utilização de interfaces virtuais e a maior demanda por componentes e bens eletrônicos fez com que a oferta de semicondutores demorasse um tempo para reagir a essa nova estrutura de demanda. Isso acabou causando um certo estrangulamento nas linhas de produção que precisam desse insumo", avalia Rocha em entrevista à Sputnik Brasil.
Apesar do cenário global, o economista ressalta que a paralisação da produção de automóveis também está ligada no Brasil à baixa demanda pelo produto. "Por conta dessa escassez, muitas empresas estão aproveitando para paralisar suas linhas de produção, conceder férias coletivas", explica, ressaltando que os semicondutores se tornaram uma espécie de insumo generalizado da indústria.
Não à toa, além do setor automotivo há outras áreas sensíveis afetadas pela escassez de semicondutores. Segundo Carlos Fernando Teodósio, coordenador do curso de Engenharia Eletrônica e de Computação da Escola Politécnica da UFRJ, a redução na oferta desses componentes tem como consequência a curto e médio prazo "o aumento de preços e a diminuição da produção".
"A escassez de chips pode afetar também o mercado de aparelhos eletrônicos, como smartphones e TVs, que também dependem do fornecimento de chips para serem produzidos", explica Teodósio à Sputnik Brasil.
Fábrica da Volkswagen em Taubaté, em São Paulo, em 18 de maio de 2016. Foto de arquivo
© Foto / Renato Frasnelli/Volkswagen/Divulgação
No mesmo sentido, Rogério Nunes, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (Abisemi), reforça que atualmente o insumo é tão importante para o setor industrial que o impacto de sua escassez pode ser sentido da medicina à agricultura.
"A indústria acaba produzindo menos, piora a balança comercial, aumentamos a importação de produtos, com isso temos aumento de preços de produtos e a sociedade sofre. Então, não é só a indústria automotiva, isso pode acontecer em diversos setores e esse é o impacto. Não tendo esses produtos no mercado nós realmente sofremos", explica Nunes em entrevista à Sputnik Brasil.
Brasil tem oportunidade, mas 'governo está perdido na sua estratégia para o setor'
No final de abril deste ano, o governo federal anunciou a intenção de criar o programa "Brasil Semicondutores", com o objetivo de atrair fabricantes de chips e outros componentes eletrônicos ao Brasil e reduzir a dependência de produção estrangeira desses insumos. Durante seminário sobre o tema promovido pelo Ministério das Relações Exteriores, o governo federal citou metas de aumentar a participação do Brasil no mercado mundial de semicondutores de 2% para 4% em até vinte anos.
O programa deve ser lançado em junho por meio de uma medida provisória e teve participação da Abisemi nas consultas para sua formulação. O presidente da associação, Rogério Nunes, acredita que o Brasil tem uma oportunidade diante da crise geopolítica mundial de se apresentar como uma região "tranquila" para a produção de semicondutores.
"O Brasil se apresenta como uma região tranquila, temos uma capacidade tecnológica grande, temos o maior parque tecnológico na área de TICs [Tecnologia da Informação e Comunicação] e informática do mundo fora da Ásia. [...] O Brasil, sem dúvida, precisa de um plano que possa parecer atraente aos olhos das grandes empresas mundiais e sem dúvida passará a poder contar com essa possibilidade", aponta, referindo-se ao programa do governo.
Chips do fabricante chinês de semicondutores Tsinghua Unigroup são vistos durante a Conferência Internacional de Semicondutores de 2020, em Nanjing, na China, em 26 de agosto de 2020. Foto de arquivo
© AFP 2022 / STR
Já para o economista Marco Rocha, a proposta mostra que o governo federal "está completamente perdido nas suas estratégias". Segundo ele, ao invés de buscar soluções com empresas estrangeiras privadas, o governo deveria utilizar a base tecnológica e o conhecimento acumulado do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec) — empresa estatal brasileira, criada em 2008, que o governo federal pretende fechar.
Para Rocha, a Ceitec, única empresa na América Latina capaz de produzir e desenvolver semicondutores de silício, poderia ser "uma peça estratégica nesse processo". A liquidação da estatal foi suspensa por decisão Tribunal de Contas da União (TCU), em setembro de 2021.
"A gente está abrindo mão da empresa brasileira que possui uma certa tecnologia e conhecimento na produção disso, relegando à iniciativa privada estrangeira resolver um 'gap' de produção imenso que existe entre a oferta doméstica e a demanda doméstica por esse insumo", diz Rocha.
O presidente da Abisemi também lamenta a situação da Ceitec. "A gente não está no momento de abrir mão de uma estrutura como essa, seja o capital humano, sejam as instalações ali existentes. O país deveria encontrar uma solução para que isso possa ser utilizado", diz.
Nunes ressalta que o novo programa do governo inclui esforços para o desenvolvimento do setor, como a extensão do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS) até 2026. Para o presidente da Abisemi, porém, esse ainda é um prazo curto dada importância do programa, criado em 2007.
O então ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes (à esquerda), fala com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PL) (à direita), em Brasília, Brasil, 14 de outubro de 2020
Além disso, Nunes salienta a previsão de investimentos na capacitação de profissionais para a pesquisa e desenvolvimento do setor de semicondutores. Essa é uma necessidade apontada pelo engenheiro Carlos Fernando Teodósio, da Politécnica da UFRJ, que chama atenção para a falta de mão de obra qualificada no Brasil. Para o engenheiro esse é um empecilho que pode impedir a aproximação com empresas estrangeiras — como prevê o programa do governo.
"Vai ser muito difícil atrair empresas do ramo de semicondutores para operar em um país onde não há mão de obra qualificada em número suficiente. Isenções fiscais, como promete o programa 'Brasil Semicondutores' não é o suficiente. Para sermos competitivos nesse setor, o nosso primeiro desafio é resolver os graves problemas que temos em nosso sistema educacional para formarmos mão de obra altamente qualificada", afirma.
Brasil tem condições de se inserir no mercado de semicondutores
O economista Marco Rocha afirma que a dependência da produção estrangeira aumentou também em outros setores, como no caso das vacinas contra a COVID-19 durante a pandemia. Essa situação só pode ser revertida com uma política estruturada de longo prazo que, segundo ele, o Brasil tem plenas condições de implementar.
"A gente tem um sistema nacional de inovação razoável, ainda que tenha sofrido muito com cortes de recursos nos últimos anos. A gente tem um parque de universidades bem instalado, com capacidade técnica. Temos algumas empresas domésticas que possuem capacidade, tanto para a produção no curto prazo, quanto para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de novas tecnologias", afirma.
O presidente da Abisemi, Rogério Nunes, acredita que o Brasil pode se tornar um "grande player" no mercado mundial de semicondutores, mas para isso ele aponta a necessidade de programas de longo prazo e pensados para além do mercado local.
"Nós precisamos nessa área, uma vez que os investimentos são muito grandes e as tecnologias empregadas demandam tempo para serem implementadas [...], de um plano de longo prazo, de 15, 20 anos, não cinco. Hoje, nós incentivamos, através do PADIS, o mercado e a produção local, mas nós precisamos também de mecanismos que possam ganhar o mercado mundial", avalia Nunes.
Da mesma forma, para Marcos Rocha, a inserção do Brasil no mercado de semicondutores como um grande competidor só pode ocorrer com a criação de uma política de fôlego para o desenvolvimento científico e tecnológico.
"Isso não se faz sem política científica, tecnológica e de inovação direcionada, com recursos suficientes para os desafios que são postos, com investimento em infraestrutura de pesquisa. Isso não acontece sozinho, não acontece somente pela escassez do insumo. Isso tem que ser alvo de política pública e essa política tem que ser consistente ao longo do tempo", conclui.
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