A Ford Motors, montadora de automóveis, anunciou ontem (11) que vai encerrar a produção de carros no Brasil, fechando fábricas em Taubaté (SP), Camaçari (BA) e em Horizonte (CE). Para debater os efeitos da saída de uma das principais empresas automobilísticas do mundo, a Sputnik Brasil conversou com Marco Antonio Rocha, economista da Unicamp.
A informação sobre a saída da Ford no Brasil foi publicada através de um comunicado aos investidores da empresa em seu site internacional. "A Ford está presente há mais de um século na América do Sul e no Brasil, e sabemos que essas são ações muito difíceis, mas necessárias, para a criação de um negócio saudável e sustentável", disse Jim Farley, presidente e CEO da Ford.
Com fim das atividades em Taubaté, a empresa espera demitir 830 funcionários. No Brasil, serão mantidos apenas o Centro de Desenvolvimento de Produto, na Bahia, o Campo de Provas e sua sede regional, ambos em São Paulo. Com a decisão, cinco mil funcionários da Ford devem ser demitidos em toda a América do Sul. O governador de São Paulo, João Dória, comentou a situação em uma rede social.
Para o economista da Unicamp, Marco Antonio Rocha, "o impacto real da medida é a perda de cinco mil empregos". A questão, porém, segundo ele, "é que indiretamente vai além disso".
"São empresas que prestam serviços, insumos. Existe uma cadeia produtiva que vai sofrer com a saída da Ford no Brasil. O impacto, nacionalmente, não é muito grande, mas para economia local será imenso. O que pesa é a questão simbólica, estamos falando de uma empresa com quase um século de atuação no Brasil".
Segundo o economista, "é uma questão relativa à completa estagnação do mercado doméstico, assim como a completa ausência de política de fomento da geração de capacidade produtiva. Temos que pensar que a competitividade é formada por ciência e tecnologia. Sem isso, não adianta mirarmos apenas na estrutura de custo da economia brasileira, pois não resolvermos problemas que são fundamentais".
O economista entende que "sem construir um projeto de inserção produtiva sofisticada do Brasil dentro deste novo contexto mundial, não vai adiantar política nenhuma para segurar empresas". A reestruturação mundial da automotiva tem sido guiada por três fatores: a reorientação regional da demanda, a reorientação do padrão de consumo e a mudança do paradigma tecnológico. A combinação desses três fatores vem reorientando as estratégias das grandes montadoras.
Ao falar sobre políticas para "segurar empresas", Marco se refere às recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro, que disse nesta terça-feira (12), ao comentar a saída da Ford no Brasil, que a empresa desejava mais subsídios para continuar atuando.
Jair Bolsonaro lamentou o fechamento de cinco mil postos de trabalho, porém negou que haja falta de ambiente de negócios no país, e disse que a empresa queria ganhar subsídios além dos R$ 20 bilhões que se estima que ela tenha recebido nos últimos anos.
Marco Antonio Rocha entende que o setor automotivo brasileiro já vive de subsídios há muito tempo, como, por exemplo, os incentivos fiscais que são cedidos para essas montadoras. "Eu até acredito que a Ford tenha exigido mais subsídios, mas isso não seria o suficiente para reverter esse quadro. O mercado brasileiro não é alvo para essas empresas".
"Um país com mercado interno estagnado, com custos de produção pouco competitivos para produção integrada, sem competidores locais e pouca capacitação do sistema nacional de inovação para abrigar a produção de tecnologias para o novo paradigma da automotiva", afirmou.
"Qual seria uma estratégia adequada para se tornar mais atrativo? Recuperar a atratividade da economia local. Sem isso, não há subsidio que mantenha uma empresa por aqui. O segundo ponto é que é preciso criar uma maior atratividade em produção tecnológica, para que o Brasil seja capaz de internalizar etapas mais intensivas de tecnologia do mercado automotivo. Olhando para esses fatores, a questão do subsídio se torna secundária", disse o economista.
Ele aponta que é preciso considerar a lógica da Ford, que serve a um processo de reestruturação da empresa que também acontece em diversas outras do setor de produção de automóveis.
Segundo ele, "os mercados que estão crescendo em consumo automotivo são os emergentes, como China e Índia, e em menor grau Brasil, Turquia e Indonésia. Esses mercados têm como característica a venda de carros de menor porte, ao público de baixa renda, ao contrário do que acontece com o mercado europeu e norte-americano".
Neste contexto, explicou Marco Antônio, a Ford está saindo de alguns modelos de menor valor adicionado, que são típicos dessas economias emergentes. "E por quê? Porque a concorrência está muito grande, principalmente em função de outras montadores, como as chinesas". A Ford está mantendo os modelos de maior valor adicionado, e saindo de certos nichos de mercado, justificou o economista.
"Neste contexto é que entra a história entre Brasil e Argentina. A argentina recebeu uma série de investimentos para internalizar a produção da picape Ranger. A argentina tem uma planta industrial mais recente, mais moderna, uma produção menor e mais atualizada, e mais especializada em um modelo que está alinhado com a estratégia global da Ford. Para o nicho de mercado que a Ford pretende atingir na América Latina, as condições de produção na Argentina estão muito mais alinhadas do que no Brasil".
Para Marco Antonio, "se o mercado brasileiro estivesse crescendo em um nível significativo, se estivesse em um processo de expansão da renda per capta, ou mesmo se tivéssemos um parque tecnológico atrativo para empresas estrangeiras, isso poderia ser diferente".
Ele aponta que Brasil está com uma baixa taxa de crescimento na economia e há uma sobrecapacidade produtiva instalada. Além disso, há um mercado doméstico que pode ser atingido por importações. "O Mercosul, afinal, permite atender o mercado brasileiro a partir da Argentina".
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