Uma estatal controlada por oficiais de alta patente da Marinha promoveu quatro motoristas da diretoria a assistentes, um cargo de confiança, o que elevou os salários individuais de R$ 3.400 a R$ 18,6 mil. A diferença foi de 447%. A manobra, capitaneada pelo atual presidente da Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados), foi considerada ilegal pela CGU (Controladoria-Geral da União), que apontou um prejuízo de R$ 1,4 milhão aos cofres públicos.
Dois relatórios de auditoria da CGU recomendaram que a responsabilidade pelas promoções fosse apurada. Um dos documentos chegou a propor "devido ressarcimento" à Nuclep, uma estatal dependente da União para o pagamento de salários dos funcionários. O caso acabou arquivado em uma apuração interna, sem apontamento de culpa ou dolo por parte dos diretores da estatal que promoveram seus motoristas. Também não houve ressarcimento ao erário. Os motoristas perderam os cargos de confiança.
Uma reunião da diretoria-executiva da Nuclep em 3 de agosto de 2016 aprovou a oferta dos cargos de confiança aos motoristas. Dois tinham o ensino fundamental completo, e dois, o ensino médio. Estavam na reunião o contra-almirante da reserva Carlos Henrique Silva Seixas e o vice-almirante Liberal Enio Zanelatto. Seixas era diretor administrativo, e hoje é presidente da Nuclep. Zanelatto era diretor industrial da estatal. Hoje, é diretor industrial da Marinha.
"O diretor administrativo confirmou a proposta apresentada, manifestando-se favoravelmente à implementação", registra a ata da reunião. A proposta foi aprovada por unanimidade. O prejuízo aos cofres públicos em 2016 e em 2017 foi de R$ 1,4 milhão, conforme auditoria da CGU concluída em julho de 2018. A estatal deixou de reduzir ainda R$ 294 mil em horas extras, segundo a auditoria.
A empresa confirmou à CGU que os quatro motoristas continuavam a atuar como motoristas dos diretores, mas que acumulavam a função com outras, inerentes ao cargo de assistente. Para tentar comprovar esse acúmulo, chegou a ser apresentado à CGU um atestado de um diretor do Arsenal de Marinha do Rio, com data de 12 de junho de 2018, em uma tentativa de comprovar a atuação de um motorista como assistente. Ele teria participado de uma reunião de trabalho na unidade da Marinha, com o presidente da Nuclep.
A explicação não convenceu os auditores, que mantiveram o apontamento da ilegalidade e as recomendações para que a prática deixasse de existir. Ministro de Minas e Energia no governo Jair Bolsonaro, o almirante de esquadra da reserva Bento Albuquerque integrava o Conselho de Administração da Nuclep quando a CGU concluiu a auditoria sobre os motoristas dos diretores.
Ele começou a ser conselheiro em dezembro de 2016, quatro meses depois do ato da diretoria executiva. As atas de reuniões do conselho disponíveis no site da Nuclep não registram discussões e deliberações a respeito dessa questão específica da promoção dos motoristas. Depois de ser apenas conselheiro, Albuquerque presidiu o colegiado de maio de 2019 a maio de 2020.
"Atos de nomeação para cargos e funções eram de competência da diretoria-executiva, não havendo acompanhamento nem aprovação do conselho", afirmou o MME (Ministério de Minas e Energia), em nota. Segundo o MME, que respondeu aos questionamentos referentes à Nuclep, empresa vinculada à pasta, um procedimento de apuração foi aberto pela corregedoria da estatal, a partir da recomendação da CGU. Isto se deu em 3 de setembro de 2018.
Somente em 6 de dezembro de 2018 foi designado um auditor de carreira da CGU para chefiar a auditoria interna da Nuclep. O procedimento de apuração aberto internamente foi uma "investigação preliminar", sem registro de sindicância no sistema da CGU.
"Após a regular instrução, a corregedoria concluiu pelo arquivamento da apuração, dada a ausência de dano ao erário e de conduta dolosa, conclusão que contou com a chancela do corregedor setorial da própria CGU", diz a nota do MME.
"O ministro Bento Albuquerque, durante o período em que integrou o Conselho de Administração da Nuclep, contribuiu sobremaneira para a aprovação de diversas medidas que, com certeza, aprimoraram a governança da empresa", afirma a pasta. Entre as medidas citadas está uma ampliação das competências do conselho para maior abrangência na fiscalização dos atos de gestão da diretoria-executiva, com assessoramento de um comitê de auditoria.
A recomendação da CGU para que se apurasse responsabilidades na promoção dos motoristas só chegou ao Conselho de Administração em março de 2019, segundo o MME. Um ano antes, a diretoria já havia decidido extinguir todos os cargos de assistentes, conforme a pasta. Os motoristas voltaram para seus cargos de origem em maio de 2018, e um ato normativo em novembro de 2019 definiu critérios para funções de confiança na Nuclep, afirma o MME.
No governo Bolsonaro, a Nuclep passou a estar vinculada ao MME, comandado por Bento Albuquerque. Antes, a estatal, que cuida de equipamentos para a área nuclear, de defesa e de energia, era ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Seixas, o presidente, é o único remanescente da diretoria-executiva de 2016. Dos quatro diretores atuais, três são da Marinha.
O presidente da Nuclep é um dos 16 militares, das três Forças Armadas, que presidem estatais no governo Bolsonaro e que acumulam remunerações, como o jornal Folha de S.Paulo mostrou em 4 de setembro. Seixas recebe R$ 60,6 mil brutos. Ele acumula o salário da Marinha e o da Nuclep.
por Vinicius Sassine | Folhapress
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